O NOSSO SABER

Insights de especialistas e ideias líderes

A Era da Transparência Salarial: O que significa para as Organizações?

O mundo do trabalho nunca foi estático. Sempre esteve em transformação, impulsionado por inovações, crises e mudanças sociais. Durante muito tempo, a força física foi a principal moeda de valor no mercado laboral. Depois, vieram as máquinas, os escritórios, os computadores e, mais recentemente, a automação. Hoje, num momento em que a inteligência artificial domina o debate, assistimos a uma nova transformação: não é apenas a tecnologia que redefine o futuro do trabalho, mas também as exigências sociais que nos fazem repensar como reconhecemos, valorizamos e recompensamos as nossas pessoas dentro das nossas organizações. A equidade e a transparência não são apenas tendências – são temas centrais na gestão estratégica de pessoas. Entrámos na Era da Transparência Salarial. 


Falar de transparência salarial significa critérios de remuneração acessíveis, compreensíveis e justos para todos os colaboradores. Não se trata apenas de publicar tabelas salariais, mas de promover uma cultura de equidade, onde os critérios de progressão e compensação são claros e acessíveis a todos, e as desigualdades salariais injustificadas eliminadas (Brown et al., 2022). A transparência inclui práticas como a publicação de bandas salariais nos anúncios, a divulgação interna de critérios de progressão salarial e relatórios periódicos sobre a equidade de remuneração interna (Cullen & Pakzad-Hurson, 2022), mas o seu impacto vai muito além da comunicação de salários. 


Empresas que adotam políticas salariais transparentes reforçam a confiança e satisfação dos colaboradores, aumentam o engagement, a retenção e a atração de talentos, bem como a sua reputação no mercado (Beatty, 2021; Cullen, 2023). Quando os critérios salariais são claros, os trabalhadores sentem-se mais valorizados e comprometidos com os objetivos organizacionais. Além disso, a transparência facilita a atração de talento, ao permitir que os candidatos conheçam antecipadamente as condições remuneratórias, evitando frustrações futuras (Beatty, 2021). Porém, a transparência não é apenas um fator de competitividade – é um imperativo para corrigir desigualdades sistémicas. A equidade salarial continua a ser um dos maiores desafios na construção de ambientes de trabalho justos e diversos (OCDE, 2023), e a transparência salarial surge como uma das ferramentas mais eficazes para reduzir a disparidade salarial, ao garantir que género, etnia ou outros fatores não sejam determinantes na definição das remunerações (Obloj & Zenger, 2022). A sua ausência, por outro lado, perpetua desigualdades históricas e dificulta o empoderamento económico de grupos sub-representados (Heisler, 2021). 


De forma clara, para além de um imperativo ético e legal, a transparência salarial é uma ferramenta estratégica para empresas que vem redefinir a relação entre organizações e colaboradores. A legislação, que obriga empresas a justificarem disparidades superiores a 5% (Diretiva Europeia sobre Transparência Salarial, 2023), é apenas uma peça do puzzle – para que a transparência tenha impacto real, as organizações devem traduzir este compromisso em ações concretas e integradas.


Ainda assim, nem todas as empresas estão preparadas para esta mudança. O medo da insatisfação ao expor desigualdades internas ou a complexidade da revisão das suas estruturas salariais fazem com que muitas resistam à transparência, apesar dos benefícios evidentes, das exigências prementes e das expectativas do mercado. No entanto, manter a opacidade não é uma solução sustentável. Estudos mostram que empresas que evitam esta transição acabam por enfrentar maior instabilidade interna e dificuldades em reter talento qualificado, comprometendo a sua competitividade a longo prazo (Bennedsen et al., 2022; Cullen & Pakzad-Hurson, 2022). Como em tudo, a mudança pode ser desafiadora, mas neste caso a ausência de ação pode ser ainda mais prejudicial. Então, o que fazer? 


O primeiro passo é conduzir um diagnóstico interno estruturado, que inclua a avaliação e qualificação de funções e a análise de equidade salarial para garantir coerência entre responsabilidades e remuneração e identificar e corrigir disparidades. 


A comunicação estratégica é outro fator essencial. A transparência salarial exige um trabalho contínuo de explicação dos critérios de remuneração, progressão e benefícios. Estudos, como o de Heisler (2021), demonstram que a falta de clareza na comunicação salarial pode gerar tanta insatisfação quanto a ausência de transparência. Para evitar, é essencial capacitar líderes e equipas de RH para comunicarem estas políticas de forma clara, consistente e alinhada com os valores organizacionais.


A tecnologia também desempenha um papel fundamental neste processo. Ferramentas de analytics e reporting, permitem às empresas monitorizar e comunicar os seus progressos de forma consistente. Soluções digitais ajudam não só na conformidade legal, mas também na promoção da confiança e da perceção de justiça dentro da organização.


Por fim, mas não menos importante (de forma alguma), a transparência salarial não pode ser vista como uma iniciativa isolada, mas sim como parte de uma abordagem mais ampla de equidade e gestão estratégica de talento. Para garantir que a sua implementação é eficaz, as empresas devem integrar a transparência com processos de avaliação de desempenho claros, critérios de promoção e modelos de carreira bem definidos e políticas robustas de DEI


A era da transparência salarial representa um passo essencial para um mundo do trabalho mais justo. Evitar a transparência não é apenas um obstáculo ao progresso organizacional, mas um fator que mantém desigualdades estruturais que afetam tanto as empresas como a sociedade. O futuro pertence às organizações que compreendem que equidade e sucesso são inseparáveis. Num mundo onde a informação está cada vez mais acessível, a verdadeira vantagem competitiva não está em ocultar, mas em liderar com integridade. A transparência não é o futuro do trabalho – é o presente. E as empresas que lhe resistirem correm o risco de ficar para trás.

 

Transparência Salarial: O Enquadramento Legal em Portugal e na União Europeia


As preocupações relativas à desigualdade salarial encontram, ainda, reflexo na legislação nacional e comunitária. A abordagem legislativa parte necessariamente dos dados disponíveis: os índices de desigualdade salarial rondam, hoje, os 8,6% em Portugal e os 12% na União Europeia.1


Em Portugal, o tema da igualdade remuneratória não é novo. Por força da Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, os empregadores devem, por um lado, adotar uma política remuneratória transparente e, por outro lado, promover planos de avaliação das diferenças remuneratórias entre géneros, algo que, como é do conhecimento público, vem sendo particularmente monitorizado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (“ACT”).


A nível europeu, a preocupação da igualdade de género no plano remuneratório remonta à fundação da própria União. Contudo, e dado que a disparidade salarial entre géneros subsiste, o Conselho adotou, em abril de 2023, a Diretiva (UE) 2023/970, com vista a combater o “gender pay gap”. 


A Diretiva, cujo prazo da transposição termina em junho de 2026, prevê, entre outros, a proibição dos empregadores questionarem candidatos quanto a remunerações passadas, bem como a obrigação de justificarem disparidades remuneratórias superiores a 5% entre os trabalhadores masculinos e femininos. Aos candidatos e trabalhadores, a Diretiva confere ainda o direito a informação transparente quanto aos níveis, critérios de fixação e de progressão remuneratória e a compensação em caso de discriminação remuneratória arbitrária.  


Na era da transparência salarial, não sobram oportunidades: para os trabalhadores, nomeadamente o acesso a informação sobre disparidades salariais e a possibilidade de as sindicar, e para os empregadores, designadamente a diferenciação positiva através de compliance e de boas práticas, num mercado de trabalho cada vez mais dinâmico, exigente e concorrencial. 



[1] Dados do Parlamento Europeu disponíveis em linha em Perceber as disparidades salariais entre homens e mulheres: definição, factos e causas | Temas | Parlamento Europeu

 

Carolina Gonçalves, Consultant, SHL Portugal
Pedro Ferreira de Sousa, Consultor Principal, VdA
Inês Anjos, Associada Júnior, VdA

RECURSOS + RECENTES

Digitalização, IA e Privacidade

LER MAIS

Inteligência Artificial na Gestão do Talento

LER MAIS

O Papel da IA na Diversidade e Inclusão no Local de Trabalho

LER MAIS

Transformar a Liderança

LER MAIS

POSTS RELACIONADOS

Digitalização, IA e Privacidade

LER MAIS

Inteligência Artificial na Gestão do Talento

LER MAIS

O Papel da IA na Diversidade e Inclusão no Local de Trabalho

LER MAIS

Transformar a Liderança

LER MAIS