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Gamificação em RH: Será Game Over para a Avaliação de Desempenho Tradicional?

A gamificação – a integração de elementos de design de jogos nos mais variados contextos (Deterding et al., 2011) – tem-se vincado como uma ferramenta cada vez mais popular para impulsionar o engagement e a motivação em diversas áreas, incluindo a gestão de recursos humanos (RH). Os seus defensores apresentam-na como uma solução inovadora para os desafios do século XXI, prometendo transformar as tarefas rotineiras em atividades envolventes e prazerosas. Mas será que a gamificação faz sentido na avaliação de desempenho?

 

Embora o termo tenha surgido no início dos anos 2000, o conceito em si já era aplicado desde os anos 80, principalmente na educação. No entanto, foi apenas com a ascensão da tecnologia e das redes sociais, que ganhou força no mundo corporativo e no contexto laboral. A promessa de tornar o trabalho mais divertido e motivador, especialmente para os millennials, impulsionou a sua adoção em diversas áreas dos RH, incluindo a avaliação de desempenho.

 

Quando falamos de avaliação de desempenho, a gamificação abre uma série de portas a potenciais benefícios. Ao incorporar elementos como pontos, badges, rankings e desafios, consegue tornar um processo geralmente stressante numa versão mais atrativa e agradável, motivando os colaboradores a esforçarem-se mais para alcançar os seus objetivos, como décadas de investigação em psicologia comportamental nos mostram, e podendo conduzir a uma maior satisfação e bem-estar dos colaboradores (Davydova, 2022).

O feedback em tempo real – outro elemento-chave da gamificação – permite que os colaboradores acompanhem o seu progresso e identifiquem áreas de melhoria de forma contínua, em oposição a esperar por avaliações anuais. Um sistema gamificado permite uma avaliação personalizada, levando em consideração as idiossincrasias de cada pessoa (Artar & Huseynli, 2017). Ao receberem feedback em tempo real sobre o seu desempenho, os colaboradores podem acompanhar o seu progresso e comparar-se com os pares, o que pode aumentar a motivação e o empenho (Singh, 2020).

 

Na mesma linha, a gamificação também consegue apoiar o desenvolvimento contínuo dos colaboradores, podendo até incentivar a aquisição de novas competências e conhecimentos. Ao transformar a aprendizagem numa experiência mais interativa e divertida, pode aumentar o engagement e a retenção de informações (ver MyTweak App). Já em 2010, estudos apoiavam a premissa de que a gamificação podia aumentar a produtividade em até 147% e reduzir o absenteísmo em 37% (Bunchball, 2010).

 

Apesar dos benefícios, a gamificação na avaliação de desempenho não está isenta de desafios e riscos. Um dos principais desafios é garantir que a gamificação não se torne apenas um modismo ou uma forma de entretenimento – aliás, gamificação (e relembrando a definição) é a integração de elementos de jogo, em contextos que não o são. Não queremos, portanto, tornar a avaliação de desempenho numa forma de entretenimento, esquecendo-nos daquilo que é: uma avaliação. É fundamental que os elementos de jogo sejam cuidadosamente integrados nos objetivos de desempenho da organização e que a experiência seja significativa e relevante para os colaboradores. Outro risco é a possibilidade de a gamificação criar um ambiente de competição exacerbada, que pode gerar pressão e stresse nos colaboradores. A utilização de rankings, por exemplo, pode levar a comparações negativas e prejudicar o trabalho em equipa (Algashami et al., 2017). Além disso, a gamificação pode ser dispendiosa e complexa de implementar, exigindo um investimento significativo, em tempo e recursos, principalmente para pequenas e médias empresas, ou por outro lado, não fazer de todo sentido em determinados contextos. Quer a literatura quer a prática, neste domínio, têm crescido nos últimos anos, mas ainda carecem de rigor em alguns aspetos. Murawski (2020) destaca a atual negligência dos efeitos de longo prazo e as questões éticas relacionadas com o uso de elementos de jogo para influenciar o comportamento e a motivação dos colaboradores.

 

Além dos desafios e riscos acima enunciados, é ainda necessário que as organizações tenham em consideração determinados aspetos jurídicos associados à introdução da gamificação na avaliação de desempenho.

Desde logo, é indispensável garantir que os dados pessoais dos trabalhadores, recolhidos para efeitos de avaliação de desempenho que seja objeto de gamificação, são adequados, pertinentes e limitados ao necessário atendendo à sua finalidade, isto é, que são unicamente recolhidos os dados essenciais ao processo de avaliação de desempenho, não havendo recolha de dados supérfluos.

No plano da transparência, notamos que, nas situações em que os sistemas de gamificação assentem em algoritmos e inteligência artificial, as organizações encontram-se obrigadas a informar os trabalhadores sobre os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que aqueles se baseiam para a tomada de decisões.

Um terceiro aspeto que não deve ser negligenciado diz respeito à necessidade de garantir que a experiência de gamificação não descura, inadvertidamente, o direito à igualdade de oportunidades e de tratamento, e que não beneficia ou discrimina determinados trabalhadores, direta ou indiretamente, em razão de algum fator de discriminação.  

 

Perante as considerações acima tecidas, é crucial que as organizações adotem uma abordagem crítica e reflexiva antes de implementar a gamificação, considerando cuidadosamente os seus objetivos, os elementos a serem utilizados e o contexto organizacional que atravessam.

Tecnologias à parte, e não esquecendo que estamos a falar de pessoas, one size does not fit all. A gamificação não deve, portanto, ser vista como uma solução mágica para todos os problemas de RH, mas sim como uma ferramenta que, quando utilizada de forma estratégica e consciente, pode complementar as práticas tradicionais de avaliação de desempenho e contribuir para um ambiente de trabalho mais engaging e motivador. É essencial que a gamificação seja utilizada com responsabilidade, levando em consideração as necessidades e expectativas das pessoas e da organização; e implementada sob transparência, comunicação aberta e feedback regular, a fim do sucesso da mudança.

 

Consideramos, assim de forma súmula, que o futuro da gamificação na avaliação de desempenho dependerá da capacidade das organizações e gestores para superar os desafios e riscos associados a esta ferramenta, visando apoiar a estratégia organizacional. A personalização da experiência gamificada, a utilização de tecnologias como realidade virtual e aumentada, e a integração da inteligência artificial e do machine learning são algumas das tendências que podem moldar o futuro da gamificação. No entanto, é fundamental parar e refletir acerca de quais são os objetivos, necessidades, recursos disponíveis e eventuais barreiras para que a implementação seja feita da melhor forma possível.

Feitas as reflexões necessárias, let the games begin!

Carolina Gonçalves, Consultant, SHL Portugal

Marta Presas, Professional Support Lawyer, VdA

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